Festivais de
gastronomia valorizam cozinhas regionais
De uma das máximas que cunhou o político francês amante da
boa mesa Brillat-Savarin, ‘Diga-me o que comes e eu te direi quem és’,
corrompe-se o final transformando-o em ‘diga-me o que comes e eu te direi de
onde vens. É com esse espírito que chefs
de cozinha brasileiros, soldadinhos de chumbo de Alex Atala espalhados pelo
país, e neobrasilianistas como Suaudeau e Troisgros, vem defendendo com unhas e
dentes os nossos produtos tão tupiniquins.
Fala-se aqui não só de gueroba, aviú, pinhão ou farinhas de
mandioca artesanais, mas também de preparos como mogicas, carurus, vatapás e
cuxás. Para aqueles que desconhecem um
ou outro desses exemplos, fica o recado: a gastronomia regional brasileira
junto com seus riquíssimos insumos está decolando.
E um combustível inegável para essa decolagem tem sido os
festivais de gastronomia, institucionalizados do Oiapoque ao Chuí. Em um
crescendo de popularidade, esses cultos à comida chegaram para ficar e marcam
presença nas cidades, ruas e restaurantes do Brasil. Não, não precisa servir
comida brasileira para botar um feijão de corda no prato. Para isso inventaram
o descolado termo fusion, que libera
a audácia criativa dos chefs para que
criem um risoto de pupunha, um praliné
de baru ou um bavarois de cupuaçu.
Mais ingredientes novos? Está na hora de
começar a se interessar mais pelo assunto.
O brasileiro comum não explora a gastronomia regional
brasileira. Aliás, nem sequer conhece as gastronomias regionais de outros
países. Paulistanos desconhecem que as cantinas de sua cidade são, em sua
maioria, napolitanas e não italianas. Cariocas pedem chop suey no delivery,
mas nunca ouviram falar do dim sum,
famoso pastelzinho da região de Guangdong, no sul da China. Até aí, isso pode
parecer um problema da globalização, mas o alarme toca se você tirar zero no
teste intitulado: ‘Mencione 5 pratos típicos de sua região’.
Para propulsionar os regionalismos, vale tudo, da pesquisa
histórica do que comiam nossos antepassados às visitas a produtores enfurnados
na caatinga ou numa praia distante. Achou um livro de receitas da vovó? Está
valendo. O importante é não deixar morrer a magnífica herança cultural que é a
gastronomia regional. Se o mineiro torce alucinadamente pelo Cruzeiro ou o
Atlético, se o gaúcho se gaba dos feitos futebolísticos colorados ou gremistas,
cadê o endeusamento ao pão de queijo e ao arroz de carreteiro?
Recentemente o Festival Ver o Peso da Cozinha Paraense
reuniu em Belém cozinheiros famosos do Brasil e do mundo para mais uma vez dar
corda no trabalho iniciado pelo falecido chef Paulo Martins – orgulhar-se do
que é nosso. Com o tema ‘Marajó’, os restaurantes nortistas prepararam filés de
filhote, carne de Búfulo e outras delícias regionais da Ilha, regadas a tucupi
e açaí. Até poucos anos atrás, o
paraense que comia o fruto dessa palmeira, lavava a boca para que não ficasse
roxa e revelasse que estava comendo. Hoje, mostra os dentes com orgulho do que
é seu.
Entretanto, no outro lado do país, enquanto os paraenses
salvaguardavam sua cultura, brasilienses esperavam mais de duas horas na fila
de uma recém-inaugurada franquia americana de rosquinhas sem graça para
lambuzarem os dedos nos recheios doces e artificiais de morango e framboesa no
melhor estilo made in USA. Mais uma vez cabe a pergunta: Cadê o orgulho
dos pratos do cerrado brasileiro?
Mas infelizmente nem todos os festivais promovem o
regionalismo. Muitos deles são motivados pelo lucro e novidades efêmeras que no
ano seguinte caem no esquecimento, ignorando a cultura local. Os festivais gastronômicos têm uma
responsabilidade cultural para com a sua região. O resgate da nossa gastronomia
regional deve ser feito com orgulho de uma nação que tem do que se orgulhar,
mas ainda não sabe disso.
Não há nada contra comer hambúrguer ou pizza. Seria uma hipocrisia
inócua tentar banir as casas de fast food
como alguns políticos tentaram banir na marra os estrangeirismos do dicionário
da língua portuguesa. O problema aparece quando deixamos de comer nossas
iguarias para substituí-las por porcarias enlatadas. Comer é um ato social, muito mais do que
fisiológico. Somos o que comemos e o que comemos nos distingue do que são
nossos vizinhos.
Brasília, 17 de junho
de 2015
Paulo Seidl é consultor
de gastronomia e professor de cozinhas internacionais
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